domingo, 15 de junho de 2008

Chorava eu quando o sol se pôs.
Não hoje porque não houve sol.
Apenas lágrimas e chuva.
Não aquela chuva deliciosa de há tempos.
Sem especificar, sem garantir. Ontem.
Lá atrás no passado.
Na memória, hoje. Bem presente.

A bailarina do meu quadro continua presa,
As cordas do violino desfizeram-se nas minhas mãos,
Enquanto os meus dedos as recordavam.
Basta! Não quero tocar, não quero ver, ouvir, saborear.
Não quero desvendar o mistério escondido em cada olhar.
Não quero pensar porque dói. Apenas.

Quero, afinal,
Esquecer.
(Na confusão dos meus pensamentos,
Avizinham-se novos Tempos...)

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Despedida

Olhei tudo ao meu redor. Bastou que o fizesse uma vez para que as imagens ficassem gravadas na minha mente. Para sempre. Sabia que a efemeridade do Tempo em breve me traria esta tristeza que tentei, em vão, desprezar. Sabia que a crueldade dos sentimentos partilhados um dia, naquele dia, iria quebrar a pedra em que, aparentemente, se transformou o meu coração.
O choro teimava em queimar-me os olhos havia dias. Escondida num mundo que já não me pertence, revivo momentos de pura delícia. O relógio, que naquela noite parara enquanto eu dormia atormentada, voltou a correr. Quando reparei, já os ponteiros haviam chegado à meta e o inevitável acontecera...

Levantei-me estranhamente calma como sempre em dias de grande tensão (todos eles durante os últimos tempos...)... Sorri, olhar alegre embora cheio de sombras... E ele chegou. E o constrangimento de sempre, o pavor do olhar, da denúncia do desejo que ainda nos une, o medo de uma hora que se apressava em chegar... De gesto rude, olhar fingido, fugiu de mim como se tivesse medo de me observar. Fugiu, magoou-me uma vez mais... Ainda eu acalentava uma ínfima esperança de que tudo fosse diferente naquele dia. Eu, ao sentir-me mais uma vez ferida, atingi-o cruelmente dando-lhe a ler um olhar gélido e indiferente. Como menti... Ontem, no passado... Hoje já não tenho a sua presença para o poder enganar novamente jurando que não o quero...
Surpreendentemente aproximei-me dele pela última vez. Sentia que jamais poderia sentir o seu cheiro que tantas vezes se confundiu com o meu num misto de proibido, desejo e loucura. E, sentindo os minutos esgotar-se dentro do pequeno grande relógio, ficámos lado a lado em silêncio como se saboreássemos o que nos permitimos perder outrora...
As lágrimas queimavam-me por dentro. Sentia o meu choro atear fogo ao meu coração já incendiado de sofrimento e desejo... Os dois fixando o indefinido... Olhar esfíngico, distante... Os outros desapareceram. Tocou-me ao de leve e fugiu...Observei todos os seus movimentos, reconheci os sinais do corpo que amei sem pedir nada em troca, no ar desenhei os contornos da boca que me prendeu...
E, tal como estava escrito, o relógio finalmente cumpriu o seu destino. A hora aproximava-se... Teria, no máximo, mais dois ou três minutos de felicidade que me pareceram uma eternidade... Aproximou-se de mim, abracei-o suavemente... Quase me beijou, acariciou-me a face como se me quisesse sentir pela última vez, encostando-se docemente ao meu corpo... Segredei-lhe as palavras presas dentro de mim ao ouvido, fechei os olhos e deixei-o partir sem sequer poder confessar o que estupidamente sinto. E voltei a fugir e a esconder o choro para que ninguém percebesse que a mulher que ali se encontrava acabava de perder da forma mais dolorosa quem ama. Sufoquei sentimentos, gestos e palavras, engoli a dor e o orgulho e fiquei sozinha, sem ele eternamente.
Enquanto tentava chegar à saída do edifício, percorri os corredores onde os nossos olhares tantas vezes se cruzaram e confessaram querer-se genuinamente sem regras nem leis. Gravei, recordei e também eu parti jurando nunca mais voltar.


Hoje, aqui sozinha e ainda caída no chão triste que me sustenta, o choro permanece mais violento do que nunca. A culpa, o remorso e a ignorância destroem-me a cada dia que passa. O ciúme atravessa o meu corpo sem dó nem piedade tentando envenená-lo. E tento convencer-me que o Tempo passará depressa demais e que amanhã já não sofrerei... Mas a dor intensa não cessará enquanto sonhos, memórias permanecerem e esta história não for definitivamente resolvida.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Voraz, esfomeado. O Tempo passou. Apenas. Sem eu sequer poder parar os relógios e gritar. Sem eu sequer poder atrasar os ponteiros, deixando-os no Inverno e na chuva ociosa que se fez sentir. Há tempos. Ontem, em sonhos. Hoje, em utopias. Não interessa quando. E nem onde. Para que preciso de tempo e de espaço se o coração esqueceu significados?
Sedento do meu sofrimento, desejando ardentemente queimar-me, incendiar-me, o veloz Tempo passou pela minha pele, pela minha mão macia, pelo meu coração agora revestido de dor, de ciúme e de paixão. Quis também seduzir o meu olhar. A alma não deixou. Pertence-lhe inteiramente. É só dele. Aprisionada por correias reais, luta para poder correr livremente.


A vida correrá depois de amanhã. Não sei quando é amanhã. Interessará o amanhã? O choro chegará apenas durante a noite fria que se avizinha. Depois de amanhã. Depois de fingir que a tristeza não faz parte de mim. Depois de dissimular e de frustrar o prazer que delicia o meu corpo e o dele a cada olhar intenso. Sem me tocar despe-me. Nua, à sua frente, beija-me, toma-me, bebe-me em silêncio. Na ignorância de todos. E finge de novo. Sorri, malicioso.


A palavra que deveria ter proferido, o beijo que lhe devia ter dado ferem-me constantemente. E, ainda presa, o pensamento tortura-me, mata-me a lembrança sempre presente, dolorosa, num misto de mel e fel, deixando-me, porém, a boca amarga. Finalmente consigo sair do cativeiro, mas ele corre atrás de mim. Violento, viril, agarra-me o braço. Magoa-me. Volta a prender-me, a possuir-me sem eu querer, sem eu pedir, sem eu gritar. E deixa-me partir prometendo-me um Tempo novo.