sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Odeio a sensação de simplesmente não saber. Eu. Logo eu. Eu conheço-me. Eu sei o que quero. Eu. Eu. Eu. Eu sou egoísta. Porque sim. Porque já pensei demasiado nos outros e esqueci-me de tratar de mim. Eu tenho objectivos. Eu sei sempre que rumo tomar. Mas agora não sei. Tenho as entranhas revolvidas e um coração idiota a fazer pressão para soltar as cordas a que está preso. E a deixar-me com insónias. Mas pior que isso é não saber. Simplesmente. Apenas. Continuo egoísta. Muito. E contrariar esse coração estúpido dá trabalho. É segurá-lo com força como se fosse um animal selvagem que nunca teve um carinho. Preciso de domá-lo, de puxá-lo até fazer sangue em mim para que ele pare. Mas ele insiste, teimoso. E eu chego ao fim do dia exausta de tanta luta. Tenho-o preso por mais umas horas. O sono é inquieto. E no dia seguinte, quando ele desperta com forças renovadas, as minhas estão cada vez mais gastas; o sangue pinga cada vez mais para o chão e corre cada vez menos nas minhas veias. E isto tudo para dizer que me perdi. E que o coração está a formar um exército e que eu estou sozinha. Todos por ele e eu por mim. É desigual, é injusto. Ele não se devia virar contra quem o trata e o cola quando se despedaça, quando encalha na vida; contra quem o salva de se afogar em sofrimento.
Odeio não saber.
Não posso dormir. Tenho um nó na garganta e o estômago embrulhado. Os olhos pulsantes, vibrantes. Ao mínimo deslize cairá uma lágrima guardada, talvez a única em meses. Deixei de chorar, desaprendi. Pensava eu. Parece que a minha vida se anda a desenrolar no pretérito. De tão imperfeito, saboreio-o mais que perfeito. Parece um retrocesso. Um desaprender constante de lições. Porque apesar de ter os olhos secos, há um coração que chora tão assustado. Tão retraído. Com receio de cair nas malhas terríveis do...
Pronunciar palavras torna-as reais, torna-as uma promessa e uma esperança. E tenho uma mão a calar a boca, a cortar-me a respiração. E tenho a outra a segurar o coração que a tanto custo colei com fita-cola, a apertá-lo contra o peito, a dar-lhe corda e a puxar o fio. Para o ter só para mim. Para não entregar. Porque parece que só as minhas desajeitadas mãos sabem onde está o que sobrou do rolo. E é um segredo guardado a sete-chaves.
Não posso correr o risco de o voltar a oferecer. Porque depois terei de ir a becos escuros resgatá-lo, levá-lo para casa e deixá-lo dormir acordado até poder voltar a colar as peças.
Dias em que, ao subir a escada,
pouso mal o pé e tropeço na minha vida.
Tropeço e não caio.
Só a pontapeio.Só a firo.
Deixei a minha vida à beira da morte.
Não numa cama de hospital,
mas na minha própria cama
entranhada nos lençóis que me cobrem
e ouvem sussurros de sonhos.

Dias em que, ao subir a rua,
o chão foge e a alma escorrega,
ágil,
feroz,
enraivecida,
sofrida.

Dias em que, ao retalhar o sono,
a minha vida é uma insónia constante.
Os olhos inchados de cansaço,
o corpo com fome,
a alma inerte.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

E se o teu mundo fosse um caderno vazio
Arrastado pelo vento do silêncio?
E se a tinta da tua caneta não deslizasse
no papel amassado e amachucado?
E se o teu sangue envenenasse as tuas veias
E a tua respiração fosse cortada no meio de uma sílaba esquecida?

E se o meu corpo se arrepiasse de cada vez
que imaginas tocar-me?
E se a tua voz se misturasse na minha voz
melodiosamente sincronizadas, brutas, vadias?
E se o teu corpo esventrasse o meu?
E se o meu corpo retalhasse a tua alma
E fizesse dela uma manta esfarrapada para se cobrir?

E se, na noite emudecida,
soasse o grito do nosso corpo-sangue
na memória da vida que restou?

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Não basta um cortinado de seda grená
entre e cidade e eu.
Chove torrencialmente lá fora.
A rua está deserta, invadida pela escuridão
E pelo medo.

Abri a janela para respirar.
A minha alma retorce-me as entranhas
Ao mesmo tempo que o vento espanca
as árvores ainda despidas.
Ao fundo uma pessoa conhecida
Que desafia a Natureza.
A janela aberta sorri.
O meu vulto tenta falar.
As palavras não passam na garganta.
Puxo pela voz.
Falha.
O coração esvai-se em sangue.
E o homem,do outro lado da rua,
espera por uma reacção minha.

Fala o meu corpo.
Insaciável.
Adúltero.
A pele arrepiada.
Ele pronuncia o meu nome.
O temporal abafa-o.
E a voz dele troveja, ecoa
na noite tempestuosa
que se abateu sobre mim.

Sem pensar, arranco a cortina
que lentamente definha no chão do meu quarto.
Perde a cor, grita de dor
Quando a piso
antes de sair
e abraçar uma nova vida.
Voltar a tragar palavras
A comê-las sofregamente
E travar o vómito e a agonia
Que sai dos meus dedos.

Ter-te nas veias, no sangue,
encher-me de comprimidos
para te matar dentro de mim.

Não gosto que te instales na minha vida
E faças dos meus dias um castelo de areia
Ameaçado pela vaga gélida do mar
que consome o Inverno na cidade.

E que me ofereças colares de conchas,
me afastes o cabelo e me sussurres ao ouvido
(porque os meus olhos vão fechar e eu vou saborear
o calor da tua respiração em mim)
palavras inebriantes enquanto dás um nó no fio.
E me faças mil e uma promessas
de noites passadas à lareira,
a garrafa de vinho meio cheia
e depois um coração vazio.
Dizes que precisas de um cigarro.
E eu, do outro lado da cama, estupidamente vestida,
Olho-te sem te ver.
Estás desesperado para sentir a nicotina correr
nas tuas veias e livrar o teu sabor
do beijo selvagem que pousei nos teus lábios.
Queres respirar-me através de umá máscara de oxigénio
Desligada da botija.
Os teus olhos ansiosos espreitam indecentemente as minhas pernas
que dizes serem longas e macias
e controlas o desejo de te aproximares de mim
Sem temer a violência do meu sangue.

E o terror que mortificou a minha carne
afaga o ar que eu e tu respirámos,
o mesmo ar misturado e retalhado
e novamente inalado
por dois pulmões
que desesperam por
um
cigarro
ou um fumo qualquer
que os esbata na luz do
dia.
Só tenho um pedaço de papel que rasguei
ao acaso
e não tenho vontade de preenchê-lo
mas quero escrevinhá-lo.
E escrever coisas, quaisquer coisas
mesmo que não façam sentido
porque hoje que a música do violino
me embala a tarde
tudo o que ouvir será
o mais perfeito.

Olho para as minhas mãos:
o verniz vermelho-escarlate lasca
como a minha alma
a caminhar para o abismo de papel
que os meus dedos ingenuamente rasgaram
porque o tempo se arrasta a passos largos...

Suspiro.
Sinto o ar que expiro
E a música que sobre de
tom
e me desperta
e arranca o bico de carvão do papel
que tem linhas direitas
onde tudo o que escrevo está
indubitavelmente
torto.