quarta-feira, 15 de abril de 2009

Doeu chorar sem alma, sem corpo
Tendo corpo
E tendo o coração a sangrar o dia todo,
A noite toda. Gotas de sangue a cair no chão,
A enfraquecer a carne e o gesto.
Olhos que se apagam como candeeiros cuja lâmpada fundiu;
Como trovões que caem em árvores e provocam incêndios;
Como fumar um cigarro e não sentir a nicotina
A invadir o corpo.
Escrever com uma caneta sem tinta
E ter palavras invisíveis perdidas nas linhas do papel.


Doeu chorar sem calma, limpar as lágrimas à manga da camisola,
Olhar um espelho e não ter reflexo. Naufragar num beijo.
Perder a terra. Ser um galeão saqueado por piratas.


Doeu como a arma que se dispara e cuja bala fere o corpo
Deixando cicatriz. Doeu pisar as pedras da calçada com sapatos
Mas descalça, não sentir vidros e cortar-me, torcer o pé ao andar de salto
Porque a angústia me fez correr em terreno incerto.


Doeu ver uma palavra desferir o golpe mortal
Na minha alma e não ter direito a um segundo de misericórdia.
Só sangue e…vazio.

terça-feira, 14 de abril de 2009

hoje morreu um relógio meu amor
o coração enfraquecido meu estacou no tempo no meio da sala
quando as palavras se afogaram em gritos
de gaivota num dia ao fim da manhã.
nao esperava o toque
a mão que se desprende do corpo
e avança para a tua pele e te acaricia suavemente.

adeus meu amor
a vida retalhada num globo de areia que chocalha
e os grãos que caem na dispersão do que houve
e não o negas porque o sorriso que o teu pensamento
obriga os teus lábios a esboçar
esconde o sonho do que poderia ter sido
se ásperas palavras o teu coração infame
não tivesse desprendido.


o relógio está envolvido em seda pura
como a minha pele que tocaste
e rendido no fundo da caixa.
Tudo riscado.
O preto da caneta no papel. O assunto da agenda.
A paixão arrancada do coração.
Dói-me a cabeça. Estou ausente de mim.

Perdi-me cá dentro quando virei o mapa
Ao contrário.
Tenho andado em círculos,
A correr
Desesperada,
A passar noites
Em claro
E dias na
Escuridão.

A escrever,
A pensar,
A saborar café atrás de café,
Cigarro atrás de cigarro
Porque quero um vício.

De tanto disfarce nem a nicotina absorve a minha alma.

Na loucura dos meus dias risco cadernos
E enveneno o desejo que arrepia a minha
Pele.
Sacio o corpo em noites ao relento,
Madrugadas de luar e de trovões.

Tenho pressa para chegar ao fim da página,
Ao fim da garrada de néctar que acompanha a minha
Solidão
(Solidão...solidão...)

A voz parou na garganta,
Ausente a essência da palavra,
O sentido nu e cru perdido nos
Lábios
Quedos.
É o que nos resta.
Não me faz falta ouvir a tua voz.
(Tu não queres ouvir a minha.)
Os dias correm como sempre correram.
(Os meus não.)
A chave continua a abrir a porta apesar de gasta.
(Perdeste a tua chave.)
Eu entro em casa, atiro-a para cima da mesa;
abandono a mala que me pesa o dia todo no ombro esquerdo.
(Só a uso no ombro esquerdo.)
Descalço os sapatos, o casaco já incomoda.
(E tira-se, dizias tu com olhar malandro.)
Chego ao sofá e sento-me.
(Sozinha.)
Sinto a porta a bater e penso que decidiste voltar.
(Eu joguei a tua chave pelo vidro do carro.)
Nada. É o que nos resta.
Tem tão poucas folhas de vento.
Um dia. Hoje não falo de sol, de chuva, de trovões ou de nevoeiro. Nem de arco-íris, nem neve, nem calori, nem frio.
É um dia em que o teu corpo insaciável não pressiona o meu. A tua boca adúltera hoje não sussurra nos meus lábios. A minha mão não vai afagar mais os teus cavelos, o meu riso não vai ecoar na noite. Nem em sonhos. Só em palavras que nem sequer são pensadas. É o corpo que as atira, revoltadas, para os livros. Mas as folhas são poucas, são poucas. E são de vento. Serão arrancadas. Só vai sobrar a capa. Estilhaçada, rasgada, destruída. E eu estarei lá para a apertar. E olho para a minha mão ainda macia e lisa. Mas vai ter uma cicatriz profundadepois de sangrar incessantemente, depois de sarar e voltar a abrir até acalmar.
Tempo, o gigante indestrutível, o meu arqui-inimigo. Estou sedenta dele, quero bebê-lo sofregamente. Mas tenho de o saborear. Senti-lo inutilmente insosso, brevemente doce, terrivelmente acre. Sentir a canela que o polvilha, a noz-moscada que o apura.
Ainda não sei se gosto do tempo, mas hoje afinal está a chover.
Eu e tu. Só nós.
O branco, o verde e o cinzento.
O mar e o azul profundo.
A areia límpida da cor da minha alma.
O amarelo-fogo do sol.

Sem nome, quem sou?
Apenas eu fundida em ti;
Olhares furtivos pela pequena janela.
Os caçadores vorazes do lado de fora,
Os olhos que espreitam, palavras que se ouvem
Quando os amantes sussurram.

Tu e eu não somos nós.
Tempo, sempre o tempo no meu encalço.
Ainda não me trouxe rugas
Nem me deixou a pele velhinha,
Mas encheu-me a mão de cicatrizes
Todas umas em cima das outras;
Os olhos vazios de lágrimas,
Um corpo vagabundo na rua desejando
Uma calçada fraccionada em pedras de lua
E pedaços de papel ardente.