quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Hoje chorei, mas não senti. Sinto que choro de maneira diferente. Não sou eu. Tão poucas lágrimas inundaram os meus olhos. Não pareço eu. Os ventos de outrora levantaram a poeira do chão e toda ela foi atirada para os meus olhos. Feriu-os, entranhou-se, permaneceu. Não sei onde a procurar. Talvez a tenha limpo num dia qualquer em que me lembrei de não gostar de ventos.
Apetece-me estar sozinha. Em casa ou por aí. Rumar para destino incerto. Por dez minutos, uma hora, um dia inteiro. Perdi a noção do tempo. Não controlo o choro. E só o sei porque é agora que as palavras correm e se atropelam querendo ocupar o seu lugar. Uma pausa, o choro abrandou. Mas voltará a qualquer instante, apesar de eu saber que não vou chorar tudo e que já não sou eu nem me reconheço.
Finalmente cessou. Mas culminou numa dor de cabeça que se vai deitar comigo e não me vai deixar dormir. Vou passar a noite toda em claro e acordar com os olhos opados. Posso disfarçar as olheiras,mas ainda não aprendi a disfarçar tristeza dentro do meu olhar.
Estar presa dentro de mim.
Ver as águas do rio correr, preguiçosas.
Invejá-las por serem livres.
Ter versos e palavras, apenas palavras,
Dentro de mim e não a conseguir expulsar

Como quero. Sem ordem, sem regra,
Sem tempo.
Escrever uma aqui e outra ali.
Uma no chão e outra no céu;
Conseguir desenhar letras ao pé do mar
E não deixar que a onda sagaz e sedenta de areia
A tome para si e a aprisione dentro de mim.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Nunca me custou chorar. A tristeza vinha de mansinho e as lágrimas caíam. A recordação pulsava no coração, abrindo cicatrizes e o choro abraçava a minha noite. Hoje custa. As lágrimas já não caem como antes. Sinto-me estranha. Tenho medo. Disfarcei tudo aquilo que me doeu numa coisa qualquer. Talvez no tempo, no espaço, no meu dia-a-dia. E de noite adormecia exausta e sem sequer pensar.
Hoje parei. Pousei, acabaram-se as coisas para fazer e fiquei sozinha comigo mesma. E voltei a descobrir uma dor aguda que me está a destruir agora, que me intimida, que me assusta ao ponto de querer desaparecer daqui sem dizer nada a ninguém. Só quero ir para um lugar onde ninguém me conheça, onde ninguém saiba o meu nome ou diga quem eu sou. As lágrimas que deslizam no meu rosto dizem-me que afinal ainda sei chorar.
Apetece-me escrever palavras que não conheço.
Juntar sílabas ao acaso, apagar com a borracha,
Apertar o lápis por entre os dedos e desenhar letras.

Dizem que a minha caligrafia não é bonita.
É-me indiferente. Não quero cadernos repletos de palavras bem desenhadas.
Quero só palavras. Bonitas, feias, grandes, pequenas, de duas, três, quatro ou cinco sílabas.
E até de seis ou sete se puder ser.
Só quero palavras a brotar de dentro de mim.

Não quero sentidos nem ordem. Não quero regras nem imposições.
Quero trocar o sujeito, os complementos, o predicado!
Quero tudo e não quero nada.

Afinal só quero sentir dor na pele
Porque já não sei quem sou.
Morri um dia destes que passou.
Nem sequer derramei uma lágrima.
E voltei a encontrar-me numa rua errante qualquer
Só porque passei por acaso.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Girassol

Houve um dia em que me ofereceram um girassol.
Porque eu gosto. Porque me queriam ver com um sorriso.
Porque havia amor.

A época dos girassóis acabou. O que por mim sentiam está perdido.
O sorriso que queriam ver no meu rosto foi esquecido.
Restou o amor.

Solitário e errante, vagabundeia dentro do meu coração
À procura de um girassol.
Mas a época acabou.
Vejo a bailarina diferente.
Presa, mas dançando para abafar a tristeza dos seus olhos
E a dor do seu coração.

No vazio, desenha movimentos suavemente tensos.
Mas não está ninguem a ver, ninguém a escutar a melodia,
O doce canto da sua alma.

Está escuro e o sol não entra.
Vem um pequeno príncipe
E, a medo, diz que o sol morreu.

(Pobre bailarina! O Tempo pára e lentamente
Cai no chão sem um sinal de vida.)
Fogem-me as palavras quando as quero escrever.
Só se formam na minha cabeça desvanecendo-se em seguida.
Também elas me doem ao sair dos dedos.
Frustradas, ásperas.

Não conseguiram chegar ao coração.
Ficaram presas na garganta com o sentimento ferido,
Com o abandono e a dor de um adeus.

É como se tivesse o segredo mais bonito do mundo
E o tivesse perdido. Como se tivesse sido roubado
Ou esquecido.

E doem porque não querem gravar no papel
O fim e o desalento da solidão.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Contemplando a paisagem pela janela do comboio, ela pensava no quanto o amava e era feliz com ele. Um sorriso,uma palavra doce e a promessa de um sonho eterno preenchiam-lhe o dia, contagivam-na de felicidade. Após anos de mágoa e angústia, finalmente encontrara um porto seguro, um confidente, um amante, um amigo. E ele ali estava com ela, envolvendo-a docemente no seu abraço, acariciando-lhe as mãos e prendendo-lhe os dedos como tantas vezes fazia. A luz do sol naquele fim de tarde embelezava o cenário. Apeteceu-lhe dizer-lhe baixinho que o amava. Mas não o fez. Ele não iria corresponder. Sentia-o diferente, mas não deu grande importância ao facto. O relógio voou. Em breve chegaria a hora da despedida, do adiamento de sonhos ainda por viver. O trajecto pareceu breve. Ele conduzia, ela estava a seu lado. Os dois em constantes trocas de carinhos. Uma lágrima rolou pela sua face morena. Felizmente estava já escuro para ele notar que ela chorava em silêncio junto a ele. Não queria que ele percebesse a saudade que lhe trespassava o corpo de cada vez que iam embora. Cada vez a sentia mais vincada; uma parte de si era arrancada violentamente na despedida. Mas continuaria a sorrir com a esperança de o voltar a encontrar. Chegou a casa. Despediram-se. Um beijo apaixonado. Seguido de outros. Parecia-lhe que ele não a queria deixar ir, que queria prendê-la a si para sempre. Costumava dizer que a ia raptar e prender numa cabana na serra apenas para a ter perto de si, sem ter de enfrentar quilómetros de estrada nem os minutos do relógio.
O seu aroma estava impregnado nela. Recordava os momentos a dois, as juras de amor trocadas na noite escura e quente. Mais uma vez a saudade e a lágrima, as duas correndo lado a lado, fundindo-se finalmente. Curiosamente sorria. Era ele. Só ele a sabia fazer feliz. E era por ele que lutava todos os dias tentando vencer os obstáculos do destino sem nunca desistir.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

A praia, sempre a praia e o sabor da água do mar. Os olhos contemplam a imensidão azul lá no fundo. Não disfarço as lágrimas e os gemidos de dor. Mais uma perda, mais uma pedra que fere não só o corpo como a alma. Não consegui ver as dimensões;é irrelevante.Mas a dor...essa senti da pior forma possível.
Junto ao mar, escondo os meus segredos. Enterro a minha dor nas dunas, percorro o areal e sinto os fragmentos das conchas magoarem-me os pés. Histórias e palavras, momentos, sensações...Tudo se concentra na praia ,enquanto sentada na rocha à beira-mar o meu coração deposita os seus enigmas.
Sinto-me sem chão, sem nada que seja meu inteiramente. Só culpa. Sou incapaz de espalhar felicidade. Deixei que o sol se afastasse do meu girassol. Não resistiu. Pereceu na minha mão impotente, sem acção. E restei eu sentada no campo, sorvendo os últimos raios da tarde e esperando a solitária noite que vem fazer companhia à minha solidão, à minha carência de afectos, ao meu egoísmo.
Veio a noite. Poderosa, enleva-me. Sinto-me num sonho bom... Um campo cheio de girassóis, vida, cor, alegria! E o sorriso dele de novo feliz, uma voz meiga que me entontece... Tudo tão belo, tão perfeitamente infinito... Mas, repentinamente, o sonho é um monstro de remorsos e tristeza. A noite abraça-me violentamente, aperta o meu corpo frágil, tira-me o ar. E nem sequer consigo acordar...

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

É como se não sentisse sequer.
Como se não tivesse corpo
E tudo desaparecesse na imensidão do vazio
Sem horas, sem razões, sem lógica.

Não quero pensar, mas a mente bate-me num combate desigual
Que já sabia que iria perder.
Não sinto mesmo.
Tenho corpo, tenho dias e momentos
E nenhum deles tem um significado.

(Agora, pela noite dentro, vagueio por aí
À espera de presas às quais possa roubar sentidos.)

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Estou só. Completamente só.
Deitada no escuro, inerte.
O frio gela o meu corpo.
Já não sinto.

Até as palavras me abandonaram.
Falha-me a voz, rejeito o pensamento.
Estou só. Completamente só.
E nem sequer a Primavera
Que me deveria dar flores belas,
Ósculos ardentes e raios de sol encantado
Se compadece e me devolve a vida.

Estou só. Completamente...
Só.
Não gosto de me sentir controlada.
Que querem? Sinto-me presa, enjaulada sem culpa.
Quase parece que não sinto, que não escuto...
Quase parece que nem a lágrima me queima
E o coração não arde!

Quase, quase...
Quase...
Não quero meio termo,
Não quero!
Já disse que não quero!
Não vou repetir!

Quase caí na tentação,
Quase amei, quase deitei tudo para o alto em nome de uma loucura...
Quase fugi...
(Eu jurei que não ia repetir!)

Agora fitando o indefinido
Olhando para formas geométricas que detesto
Sinto que quase errei...

É...
Quase!
Subitamente me apercebo da singularidade do tempo. Lá fora está um sol abrasador. Cá dentro é Inverno e o frio é cortante. Tenho as estações misturadas e oiço um riso que desconheço escarnecendo de mim. Nem o crepúsculo me enleva em sonhos bonitos. O medo, o temor e a incerteza invadem tudo aquilo que sou ou julgo ser.
Uma voz não me disse o que precisava, o que queria ouvir. E a lágrima não tardou em cair, sofrida, densa, moribunda. Os sons confundem-se dentro de mim. O ritmo lento, o compasso de espera... A pausa que o Maestro fez foi fatal: os músicos erraram as notas, as pautas, num sopro mágico, desapareceram e a orquestra parou. E eu, na plateia, escondida no cadeirão de veludo vermelho e quente, levantei-me e fugi. Não consigo ir embora para sempre. Ainda espreito pelos cortinados o Maestro que continuou o seu trabalho e que, quando agradece, fita os seus olhos inundados de saudade em mim.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Já não me dói a alma como Ontem.
Arde apenas. Lenta e dolorosamente.
Queima. Mas estou imune à dor ou a qualquer sentimento.
Apenas o Desejo permanece. Violento, atiçado, regressado do Passado
E de uma esperança que se perdeu no vazio.

Confusão de Tempos

É Primavera na minha vida.
Sol quente, flores de várias cores que se perdem na densa floresta.
O Beija-flor alegra a manhã, as nuvens sorriem.
Está um pouco de frio.

Dentro da tranquilidade do meu jardim repouso.
O amor preenche-me. A meu lado adormece feliz.
O sorriso desenha-se no seu rosto.
Está um pouco de frio.

Subitamente o Inverno! Brusco, voraz, maravilhoso!
Não me são indiferentes o desejo e a pele que amei.
Jamais os pedaços de neve se misturarão em mim outra vez.
Está muito frio.

Gosto do Inverno.

domingo, 15 de junho de 2008

Chorava eu quando o sol se pôs.
Não hoje porque não houve sol.
Apenas lágrimas e chuva.
Não aquela chuva deliciosa de há tempos.
Sem especificar, sem garantir. Ontem.
Lá atrás no passado.
Na memória, hoje. Bem presente.

A bailarina do meu quadro continua presa,
As cordas do violino desfizeram-se nas minhas mãos,
Enquanto os meus dedos as recordavam.
Basta! Não quero tocar, não quero ver, ouvir, saborear.
Não quero desvendar o mistério escondido em cada olhar.
Não quero pensar porque dói. Apenas.

Quero, afinal,
Esquecer.
(Na confusão dos meus pensamentos,
Avizinham-se novos Tempos...)

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Despedida

Olhei tudo ao meu redor. Bastou que o fizesse uma vez para que as imagens ficassem gravadas na minha mente. Para sempre. Sabia que a efemeridade do Tempo em breve me traria esta tristeza que tentei, em vão, desprezar. Sabia que a crueldade dos sentimentos partilhados um dia, naquele dia, iria quebrar a pedra em que, aparentemente, se transformou o meu coração.
O choro teimava em queimar-me os olhos havia dias. Escondida num mundo que já não me pertence, revivo momentos de pura delícia. O relógio, que naquela noite parara enquanto eu dormia atormentada, voltou a correr. Quando reparei, já os ponteiros haviam chegado à meta e o inevitável acontecera...

Levantei-me estranhamente calma como sempre em dias de grande tensão (todos eles durante os últimos tempos...)... Sorri, olhar alegre embora cheio de sombras... E ele chegou. E o constrangimento de sempre, o pavor do olhar, da denúncia do desejo que ainda nos une, o medo de uma hora que se apressava em chegar... De gesto rude, olhar fingido, fugiu de mim como se tivesse medo de me observar. Fugiu, magoou-me uma vez mais... Ainda eu acalentava uma ínfima esperança de que tudo fosse diferente naquele dia. Eu, ao sentir-me mais uma vez ferida, atingi-o cruelmente dando-lhe a ler um olhar gélido e indiferente. Como menti... Ontem, no passado... Hoje já não tenho a sua presença para o poder enganar novamente jurando que não o quero...
Surpreendentemente aproximei-me dele pela última vez. Sentia que jamais poderia sentir o seu cheiro que tantas vezes se confundiu com o meu num misto de proibido, desejo e loucura. E, sentindo os minutos esgotar-se dentro do pequeno grande relógio, ficámos lado a lado em silêncio como se saboreássemos o que nos permitimos perder outrora...
As lágrimas queimavam-me por dentro. Sentia o meu choro atear fogo ao meu coração já incendiado de sofrimento e desejo... Os dois fixando o indefinido... Olhar esfíngico, distante... Os outros desapareceram. Tocou-me ao de leve e fugiu...Observei todos os seus movimentos, reconheci os sinais do corpo que amei sem pedir nada em troca, no ar desenhei os contornos da boca que me prendeu...
E, tal como estava escrito, o relógio finalmente cumpriu o seu destino. A hora aproximava-se... Teria, no máximo, mais dois ou três minutos de felicidade que me pareceram uma eternidade... Aproximou-se de mim, abracei-o suavemente... Quase me beijou, acariciou-me a face como se me quisesse sentir pela última vez, encostando-se docemente ao meu corpo... Segredei-lhe as palavras presas dentro de mim ao ouvido, fechei os olhos e deixei-o partir sem sequer poder confessar o que estupidamente sinto. E voltei a fugir e a esconder o choro para que ninguém percebesse que a mulher que ali se encontrava acabava de perder da forma mais dolorosa quem ama. Sufoquei sentimentos, gestos e palavras, engoli a dor e o orgulho e fiquei sozinha, sem ele eternamente.
Enquanto tentava chegar à saída do edifício, percorri os corredores onde os nossos olhares tantas vezes se cruzaram e confessaram querer-se genuinamente sem regras nem leis. Gravei, recordei e também eu parti jurando nunca mais voltar.


Hoje, aqui sozinha e ainda caída no chão triste que me sustenta, o choro permanece mais violento do que nunca. A culpa, o remorso e a ignorância destroem-me a cada dia que passa. O ciúme atravessa o meu corpo sem dó nem piedade tentando envenená-lo. E tento convencer-me que o Tempo passará depressa demais e que amanhã já não sofrerei... Mas a dor intensa não cessará enquanto sonhos, memórias permanecerem e esta história não for definitivamente resolvida.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Voraz, esfomeado. O Tempo passou. Apenas. Sem eu sequer poder parar os relógios e gritar. Sem eu sequer poder atrasar os ponteiros, deixando-os no Inverno e na chuva ociosa que se fez sentir. Há tempos. Ontem, em sonhos. Hoje, em utopias. Não interessa quando. E nem onde. Para que preciso de tempo e de espaço se o coração esqueceu significados?
Sedento do meu sofrimento, desejando ardentemente queimar-me, incendiar-me, o veloz Tempo passou pela minha pele, pela minha mão macia, pelo meu coração agora revestido de dor, de ciúme e de paixão. Quis também seduzir o meu olhar. A alma não deixou. Pertence-lhe inteiramente. É só dele. Aprisionada por correias reais, luta para poder correr livremente.


A vida correrá depois de amanhã. Não sei quando é amanhã. Interessará o amanhã? O choro chegará apenas durante a noite fria que se avizinha. Depois de amanhã. Depois de fingir que a tristeza não faz parte de mim. Depois de dissimular e de frustrar o prazer que delicia o meu corpo e o dele a cada olhar intenso. Sem me tocar despe-me. Nua, à sua frente, beija-me, toma-me, bebe-me em silêncio. Na ignorância de todos. E finge de novo. Sorri, malicioso.


A palavra que deveria ter proferido, o beijo que lhe devia ter dado ferem-me constantemente. E, ainda presa, o pensamento tortura-me, mata-me a lembrança sempre presente, dolorosa, num misto de mel e fel, deixando-me, porém, a boca amarga. Finalmente consigo sair do cativeiro, mas ele corre atrás de mim. Violento, viril, agarra-me o braço. Magoa-me. Volta a prender-me, a possuir-me sem eu querer, sem eu pedir, sem eu gritar. E deixa-me partir prometendo-me um Tempo novo.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Prisioneira

Têm passado os dias. Todos iguais, todos parecidos, mas todos diferentes. Infelizmente continua o sol. A chuva fugiu, mas as minhas lágrimas tomam o seu lugar, formando um exército feroz que defende veementemente o trono que ocuparam. Quisera eu não sentir, não saber ler olhares, não saber significados de palavras. Conhecê-las brutas e impiedosas e esquecer o conteúdo, esquecer memórias... Ainda não parou de doer. Dói cada vez mais mesmo estando o fim próximo...
Vislumbro, ao longe, um molho de chaves. Olho os meus pulsos feridos, ensanguentados, presos, imóveis. Não me posso mexer, não sei se me é permitido respirar, falar... Só os meus olhos têm liberdade... Chorando, especialmente magoados, gritam, vociferam sem dó nem piedade; já não distinguem o que verdadeiramente sentem do que aquilo que o dolorido coração os leva a sentir. O corpo está cansado de lutar, o pensamento é constante, a agridoce lembrança...
Dias há em que quero arrancar o coração a sangue frio. Talvez uma dor no peito me fizesse esquecer o tormento, a angústia... O carrasco aproxima-se sorrindo maliciosamente. Por momentos acreditei que soltasse as correntes de ferro quente que ferem o meu corpo. Mais uma vez me enganei. Dele não posso esperar mais que dor, que desprezo, que desilusão, que tristeza. O grande momento aproxima-se. Agarrando-me o braço violentamente, arrastando-me pelo chão, atira-me para a fogueira e senta-se em frente ao triste espectáculo contemplando o meu fim.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Já deveriam ter secado minhas lágrimas. Depois do prazer, a dor, as paredes brancas e o silêncio de uma casa que já não me pertence, mas onde continuo a entrar diariamente apenas para me magoar. A máscara pesa. Como pesa... Horas e horas presa ao meu rosto, apertando o meu coração. A corda na garganta está a ficar apertada e a minha voz a desaparecer, baixando lentamente de tom até ser votada ao silêncio e ao esquecimento. E o esquecimento magoa. Sinto mil flechas trespassarem-me o corpo, diária e continuamente. Mas sobrevivo a todas, arrastando-me por aí e tentando esconder o sangue puro que suja os locais por onde passo, sozinha nesta dor que há meses me atormenta. De vez em quando chove e o chão pinta-se de vermelho vivo. Mas volta o sol e a dor. As flechas, aos olhos dos outros invisíveis, são lançadas dos seus próprios olhos, através das suas acções. Dói tanto que tento não sentir; mas é impossível. Fere ainda mais a lembrança: a volúpia da posse, violenta, instintiva, fugaz.
Não quero mais recordar; o coração não o permite, nega-se a fazê-lo, insurge-se, lutando comigo. Jamais vi exército tão feroz, tão beligerante, tão intenso. Rendo-me. As forças esvaem-se, a minha mão não consegue empunhar o sabre ocioso. Contudo, minto. Ainda me resta uma só força, intensa, que exorcizará o veneno que corre dentro de mim e matará meu coração imortal.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Metáforas

Gosto de comboios. Talvez porque sejam grandes e viajem por muitas terras grandes bem como aldeias nos locais mais remotos, pelo menos aqui. Um comboio é uma excelente fonte de inspiração para os poetas errantes que vagabundeiam quando o sol se põe e o manto negro que acaricia meio mundo se enche de pequenos pontinhos luminosos. As linhas, os vagões, as estações, o maquinista, os caminhos que se cruzam! Tantos elementos que, sabiamente conjugados, resultam numa bela metáfora que faz chorar jovenzinhas com tendências sentimentalistas como eu.
Gosto de comboios porque tenho alma de poeta. Também gostaria de me perder na noite escura para procurar coisas feias e realidades obscuras. Basta de adornos, de iluminação, de pessoas cujas caras consigo ver por inteiro. Hoje quero reconhecer partes. Não quero avaliar o todo. Quero poder prestar atenção aos detalhes. Os olhos daquele que ali está junto ao mar sentindo a água arrepiar o seu corpo serão de que cor? Estarão brilhantes? Mortiços? Tristes? E aquela rapariguinha de cabelos escuros cuja difusa sombra apenas distingo? O que a leva a não se voltar para a cidade e perder-se no mar, gritando um nome de três sílabas que não entendi? Chora! Porquê? Desespera! Pobre menina. Tenho de me aproximar. Não posso ficar indiferente a esta dor que parou o Tempo. Aproximo-me dela, tremendo de frio, misturando-se na areia macia. Chora ainda. Diz-me que não gosta de chorar assim, de sentir a lágrima percorrer o seu caminho, de a sentir quente, pesada; não gosta de saber o seu destino, prefere-a bruta, violenta, incendiada, mas fugaz. Acrescenta ainda que não sabe. E pergunto-me eu "mas afinal não sabe o quê?". A muito custo, evasiva e misteriosa, fala-me de uma promessa em silêncio, de um segredo que a atormenta, mas que, nos seus tempos, foi agradável. Não se acalma, chora cada vez mais, devastada por uma dor inigualável, entendo eu. Sofre sozinha e calada, carregando sobre os ombros a certeza de que foi punida sem ter errado. Acender fogueiras e sorrisos não é crime. Guardar segredo é cumplicidade e partilha. Não sei de onde brota este discurso, mas não a conforta. Diz que a cumplicidade está no passado e que hoje lhe restam memórias que a torturam, e que odeia e que sente raiva e nojo e... Interrompo-a. Eu conheço esta história. Ela não sente raiva, nem nojo, nem ódio. Ela ama. Apenas. Sem especificar o jeito, a intensidade. Confusa, só, o pensamento leva-a por veredas de ciúme e posse que a enlouquecem. Já não sei o que dizer mais! Ela não se acalma! Ela chora, grita, contorce-se tanto de dor que dou por mim a pensar se o coração quente não a queimará por dentro.
Agora que me encontro em casa, lembro-me da noite de ontem. Perdi o rasto da rapariga desesperada, devorada por um sofrimento indelével. Também eu, mais calma, recordo os pormenores dos seus olhos: incendiados, tristes, doloridos, ciumentos, apaixonados. E, subitamente, o meu fraco coração desenterra uma história do passado que jamais esqueci. E revejo cada gesto dela como se meu fosse, porque também eu, em tempos, acendi fogueiras e sorrisos que acabaram por adormecer. Decido, agora, pegar no livro escondido na prateleira mais alta da estante, aquele em que guardei uma memória e tentar reconstruir o meu castelo de cartas apesar do vento forte que se aproxima.
O relógio já correu, já parou e voltou a correr.
E, mesmo assim, eu não consigo entender
O sofrimento que me invade sem pudor.
Sinto na pele as vergastadas dolorosas
Como se fosse uma escrava
De um destino que escolhi
Porque segui o prazer.

Estou presa numa fogueira que cresce diariamente,
Que me queima, que me deleita, que me fere
E incendeia. Ah! Poder evadir-me!
Poder respirar sem a culpa e a dor
Percorrendo o meu corpo.

Há capítulos arrancados no meio do livro
Que a tanto custo tento guardar na mais recôndita prateleira.
Talvez um dia, quando o medo se afastar de mim,
Perturbe a outra personagem só para saber
O que, de facto, aconteceu naquela história.
Tenho plena consciência
De uma ilusão inconsciente
Que um dia já foi a mais pura das verdades.
Quisera eu ser Inverno e não dar flores nem frutos.
Daria, assim, sorrisos, dissimulados em momentos de loucura.

Tenho plena consciência que, afinal,
O relógio correu e corre demasiado depressa
E que a minha voz, quando sair da prisão,
Parará de gritar e de vociferar palavras doces,
Sentidas, cruéis, amargas.

Tenho plena consciência da linha do tempo.
Aprendi a distinguir passado e presente,
Apesar de continuamente os misturar,
Tendo de acreditar em noites que não voltam.

Tenho plena consciência que deixei o barco naufragar
E que me esqueci de me salvar.
Mais um dia cinzento e de raios de sol que espreitam pelo imenso céu furioso acima de todos nós. Olho-o, suplicante, sempre suplicante, como se procurasse um sentido, uma força que descobri que tenho e cuja fonte desconheço. Talvez seja eu. Ou talvez seja aquilo que tento fingir que sou, sinto, vivi. Um dia, não sei quando, a máscara cairá e, sendo ela do mais frágil vidro, partir-se-á no contacto com a terra quente, pulsante.
Dissimulada, sempre dissimulada, consigo encarar aquilo a que um dia chamei de fantasia, de utopia até. Todavia, um dia descobri que até o mais absurdo dos sonhos se pode tornar realidade. Permite-me o coração sangrento acrescentar que, na linha da vida, o caminho tem uma encruzilhada poderosa, voraz, inconsequente.
Um dia (hoje, ontem, amanhã...) perguntaram-me por que me ardiam os olhos. Emudeci. O coração, constantemente alerta, ainda não me deixa dar resposta às perguntas que me fazem. Eu não posso falar. O segredo está aos olhos de todos. Constato que todos nós estamos demasiado ensonados para prestar atenção aos outros, aos pequenos sinais que nos deixam, às reacções que não são deles, mas que apenas estão condicionadas por determinada situação. Mas, para meu gáudio e alívio, o sono de que padece a Humanidade deixa-me a salvo.
Mentiria se dissesse que quero ficar; mentiria se dissesse que quero ir. As cordas, as correias de ferro ardente prendem-me os pulsos. Hoje só posso viver de metáforas para disfarçar mentiras que, espontaneamente (sendo sincera, por precaução, necessidade e hábito), se formam na minha mente. Suplicando por clemência, bradando aos Céus para que o castigo acabe, uma lágrima cai quando a noite chega, partimos depois de um fugaz encontro num desses tão comuns corredores de desejo e, silenciosamente, tento convencer o néscio coração de que ainda existe uma fogueira, um incêndio, uma flor cujo néctar percorreu cada linha do seu corpo viril, protector, sabendo que, quando a realidade me possuir, ficarei no chão, esvaindo-me em sangue e sofrendo ainda mais.
Tenho a leve sensação de ser uma marioneta
Subjugada a ti.
Pior. Um boneco articulado que se curva,
Que cai. Os fios emaranharam-se
Quando quisemos, novamente, parar
E separar as águas.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

O sol, ensonado, esboça o último sorriso do dia.
Hoje, quando amanheceu, um cinzento ardente
Pintava o céu e eu, estranhamente feliz, fingia.
Mais uma vez o relógio me atraiçoou.
E a dor, lancinante, devagarinho percorreu o meu corpo.

Olhei-o. Nos olhos. Tentei pensar.
Mas o coração hoje magoou-me.
Sinto repulsa pela carne que desejo.
Mordi o lábio e um fio de sangue
Misturou-se no meu corpo.
Olhou-me, ávido de mim.

As mãos, trémulas, não passam a fronteira
Da luxúria, da volúpia, da pureza dos nossos corpos nus,
Abraçados, parados no Tempo que silenciosamente jurámos vencer.
Olhei-o, dissimulada, procurando na gaveta dos sorrisos.
Mas os meus olhos não conseguem mentir.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Hoje, sozinho na minha casa de paredes brancas e silêncio, penso. Penso muito e não consigo dormir. A imagem dela baila na minha memória... Cabelos e olhos negros, brilhando por me ver, naqueles corredores de desejo onde outrora nos cruzávamos. As mãos que eu beijava com ternura, a pele morena que amei inconsequentemente sem pensar que depois a deixaria partir sem sequer a demover. Fui cobarde. Menti e magoei-a. Quando nos víamos notava-lhe o olhar gélido, sentido, ardente. Sentia a sua dor como se da minha se tratasse. Também eu a desprezava, murmurando para mim mesmo que daquela forma não a magoaria nem a faria sofrer mais.
Mas hoje, velho e só, recebi uma carta dela. Perdi-lhe o rasto. Naquela sala jurou nunca mais ver-me, querer-me (como ela me queria...) e desapareceu... até hoje. E só hoje me apercebi do sofrimento daquela mulher que amei, que possuí com volúpia e desejo, que seduzi diariamente, com quem troquei beijos alados em corredores de quimeras, que olhei cumplicemente gozando da ignorância dos outros. E ela diz-me que me amou e que me ama e que jamais imaginarei o quanto a fiz chorar por dissimular um desejo que tive e que ainda tenho, as noites sem sono, olhando o céu negro e pesado, pensando em mim e perguntando-se se eu teria feito isto ou aquilo...
E eu, que amo ainda esta mulher minha, hoje estou sozinho e entregue às memórias e pensamentos que reprimi durante anos. Mesmo convivendo com ela, evitei tocá-la, senti-la perto de mim; fugi do seu olhar, fiquei sem palavras, fingi desejar outras... Tudo em vão. Um dia, numa escada discreta, olhei-a com paixão, desnudei o seu ser, recordei os detalhes do seu corpo, mordi o lábio, dei um passo em frente, olhei-a nos olhos e sorri. Ah! O seu olhar negro e radioso observando todos os meus movimentos, perturbando-me. E, de repente, parei. O olhar tornou-se gélido. Recuei. E mais uma vez perdi aquele que reconheço como meu. Ela partiu, chorando magoadamente. O seu corpo à minha mercê, a boca rosada a suplicar-me o beijo da reconciliação. E eu, cobarde, afastei-me e abandonei-a no vão de uma escada. Nem sequer olhei para trás.
Hoje todas estas memórias me destroem. A mulher que desprezei é a mulher que quero, que relembro ao olhar para a porta de minha casa, para as paredes, para a cama solitária em que durmo. O perfume dela permanece, o resto perdeu-se no Tempo implacável.
Quando me quis levantar e correr atrás dela, as pernas falharam-me; quando quis beijá-la docemente, dos meus lábios escorria fel; quando quis olhá-la tive vergonha. Quando me dei conta do erro, já os ponteiros do relógio haviam avançado e descobri um caminho sem retorno.
Sou escravo do silêncio, das memórias, da pele que beijei sofregamente. Sou escravo do meu destino.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Agora que veio a noite
E que recordo sem cessar,
Uma profunda vontade de dormir me invade.
Não posso acordar amanhã, amanhã não!
Depois de amanhã já será melhor!
Senti-me esvair em sangue,
Em dor; uma dor imensa que não acalma
E que só queima.
Uma fogueira viva, intensa!
Ai! Pobre de mim, suplicante, lutando contra o Tempo
E acalentando -ainda- que a chuva e o Inverno voltem
Para que possa voltar a ser, pelo menos, contente.

terça-feira, 15 de abril de 2008

A lágrima quer cair, mas eu não deixo.
Hoje venci! (Mas só hoje.)
Quero fugir daqui já.
O mar está à minha espera
Para me gelar neste tempo incerto,
Neste sol semi-escondido de mim, de nós.

É cedo ainda. Mal adormeceu a lua.
O céu está azul, mas feio
Só porque quero sair daqui já!

Já!! Não me ouviram?
Não me condenem! Não quero fingir mais
Porque não posso mais querer!

Saiam daqui, criaturas reles!
Ocas, hipócritas, horripilantes!
Malvada espécie!

(As horas não passam...
Tirem-me daqui os relógios!)

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Entregue a mim, na imensidão da sala branca vazia
Penso e rejeito lembranças.
Não quero falar, não me quero mover.
Nem sequer quero olhar.
Só assim não sei fingir.

Entregue aos pensamentos, no meio de uma multidão oca,
Recordo e avivo achas de fogueiras que já se deveriam ter extinguido.
De tanta luz, tanta cor, ficaram as labaredas magoadas, enraivecidas,
Que querem devorar tudo ao seu redor.

E se hoje me entrego a mim, na imensidão das horas paradas,
É porque um dia à luxúria me entreguei. Ócio de meros momentos
Lá atrás, no passado, hoje é fel e amargura.

Está um sol primaveril, uma manhã fria, plácida,
Diria até bonita e delicada.
Eu, da minha janela, carpo mágoas perdidas
Que é Outono e o calor deixou-me, subitamente.
O Inverno aproxima-se a passos largos.
É já amanhã, é agora.
Hoje nem sequer precisei de palavras.
Só quis fechar os olhos, fugir.
Só precisei de desviar o olhar,
Só me senti presa.

E o tempo nem sequer se compadeceu.
E eu, sangrando sofridamente, plácida,
Fervendo de raiva.

Hoje não quis as palavras de que tanto gostamos.
E nem quererei. Não ouso mais querer.
Dói tão profundamente o coração meio morto!

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Chuva

Chove torrencialmente lá fora. Toda aquela água divina expressa a revolta que está calada, contida dentro de mim. Toda ela grita através das nuvens cinzentas que pintam o céu e que não deixam ver mais nada.
Chove a cântaros; ouve-se o som da bofetada a bater na vidraça, não se ouve o meu lamento. Apetece-me ir lá para fora contar gotas de chuva. Assim não recordaria nem sentiria. Só eu e a chuva, a chuva revoltada que certamente também bate na janela do quarto dele, aquela que ele insiste em fechar. Apetece-me ir lá para fora sem guarda-chuva, sem protecção. Só eu, a chuva e a nossa revolta. Ela grita com Deus, com o Mundo, com as nuvens, com o sol; eu gritar-lhe-ia aos ouvidos até o deixar surdo, vociferaria, os meus olhos faiscariam até o queimar e fazer sofrer de dor. Mas no dia seguinte continuaria (e continuará) a chover, simplesmente porque não se pode fugir da ironia do Destino.
Encho-me de coragem agora; amanhã terei de a procurar. Durante a noite, de mansinho, enquanto eu sonho, ela foge da minha mente, já não é minha; brinca com o meu coração todas as noites e deixa-o apertado de tanto sofrer.
Lembro-me que um dia andámos à chuva. Os dois, sem ninguém saber. E também que, de repente, se fez sol e tudo se perdeu. Secou, mudou, desvaneceu-se. Julgando eu que o Tempo me traria a Primavera, deixou-me permanentemente um sol de Outono fraquinho; não aquece. Agora só me apetece dormir e andar à chuva. Só assim posso gritar e escapar de um Destino que sei que não posso aguentar. Agora não. Tenho o coração enfraquecido e a mente exausta de tanta guerra, destruição.
Subitamente apercebo-me dos vultos que me cercam. Sombras que se movem ao meu redor silenciosamente, perturbam-me. Só a sua simples presença me enfraquece. Tantas, tantas! Todas murmuram palavras soltas que reconheço. Também um dia as proferi. São fantasmas, são lembranças! Não quero mais! Não quero! Se algum dia sobreviver ao Tempo, o meu último grito será de alívio, de despedida.
É Outono em mim. Na luz dourada do crepúsculo, com o vento frio a cortar-me a pele, vou até ao mar.
Quero ser pequenina, bem pequenina.
Não quero saber o que dizem as palavras.
Não quero pensar.
Palavras sujas.
Pobres!
(Mas mais pobre sou eu que procuro as tuas palavras
Por aí perdidas no sítio onde moram.)

domingo, 30 de março de 2008

As palavras pertencem aos Poetas errantes
Que vagabundeiam pelas ruas mescladas de cinzento.
Na calçada um rasto de sangue, de vida e de memórias.
A noite que entretanto apareceu é agora o seu lar;
A lua o seu aconchego (quando espreita lá do céu);
Os passeios frios e sujos a sua cama.
Há ainda uns que têm um banco de jardim
E que dormem com todas as estrelas.

Há um que não dorme. Que escreve versos nas paredes.
Que se perde na imensidão da cidade, que ri da solidão
E que chora mal o sol nasce e o relembra do dia.
E perco versos que pulsam dentro de mim
Porque a mão quer repousar.
Dói-me o corpo, a matéria é decadente.
Tenho sono e quero fechar os olhos.
A realidade supera-me, transcende-me, possui-me.
Não durmo porque penso.

Penso e peno. Não quero mais imaginar.
Abomino sofrimento por antecipação.
Mas sou Poeta. E o Poeta não pode abominar sentimentos
Nem perder versos porque tem sono.

Os versos estão no coração e na pele.
Tenho o corpo tatuado de emoções
Que disfarço com palavras.

terça-feira, 4 de março de 2008

Quando o crepúsculo chegar
E o relógio esboçar o sorriso
Das sete horas, o maestro
Cumprimentará o seu público.

Sorrindo, galante, para as mulheres;
Sorrido cumplicemente para os homens.
Sempre falso, fingido, impenetrável.
Eu estarei numa das cadeiras de veludo vermelho,
Semi-escondida, subtil e magoada.

O concerto começará e a minha dor
Acompanhará a música que ilumina a sala.
E a minha dor amparará o maestro de olhos profundos
E claros desejando ardentemente falar-lhe no final
E beijá-lo na face, jurando jamais ousar querê-lo.
Verdadeiro, falso?
Não sei.
As flores existem,
A vida passa.

E depois?
Um dia irei abraçar o infinito.
Não quero realidade agora.
Estou saciada.
Amanhã deixo-a acariciar-me o cabelo.

Hoje quero quimera e mentira.
Hoje quero ver as estrelas ocupar
O seu lugar no belo firmamento.

Um dia serei uma estrela
Ou serei um sol, ou um planeta,
Ou até uma galáxia qualquer.
Longínqua, a anos-luz daqui.

Deixo o que não me pertence
E o que é meu. Mas levo a minha alma dentro do caco que sou,
Aquele que se escondeu no canto da sala vazia.

(Dentro de um frasco guardei o vento do Sul. Alguém o abriu - cruel Mão!
Fugiu-me tocando-me a face ao de leve, beijando-me o corpo, escondendo-me de mim...)
São tantas palavras, mas tenho a visão turva.
Linhas azuis, espaços em branco.
Nem sigo a direcção da linha quando escrevo.
Vejo e sinto tudo turvo.
Fazem todo o sentido e para mim não fazem sentido nenhum.
Estão ocas, sem vida e sem música.

As cordas do violino rebentaram.
Do nada, um dia, naquele dia.
E naquele dia uerbum não é nada
E vida nada também é
Porque a melodia não faz paredes bailar
Nem o meu olhar transparecer o desconhecido que sinto em mim.

Inteira, intemporal. Não quero isto nem aquilo.
Querendo não quero tudo (nem o bastante para sorrir!).
Ai, meu pobre violino! Agora entrelaço as tuas cordas nos meus dedos
Esperando que também deles não se despeçam.
Conservo a forte caixa frágil que encontrei no Mundo.

Volto à realidade das coisas e as palavras não me escutam,
Nem me cantam nem me ferem.
Ah! Voltar a senti-las jorrando dentro de mim
Excessivamente calmas, pacificamente furiosas a ponto de me bater,
De me esquartejar, de me matar de cansaço e sofrimento.

Ignoro-as agora. Não as quero.
Já não descrevem o sol como eu quero,
Entristecem flores na Primavera
E apodrecem os frutos.

Para que quero palavras que não me obedecem?
Moderadamente absurdas, absurdamente moderadas.
Assim também não quero, não gosto.
Não quero palavras fragmentadas e sem essência.

Não gosto de fechar os olhos.
Mesmo que as veja sem as ver,
Olho para o nada e encontro-as inteiras em mim.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Falhou. Escorreguei do escadote.
Não consegui chegar à prateleira
Mais soturna, mais escondida, mais inútil
E esconder o Livro.
Abro numa página ao acaso e leio o que não quero.
(É difícil colocar aquele livro na prateleira.)
Passo outra e outra e mais outra e outra ainda
E leio o que já senti.
Gritam-me, furiosas, as palavras.
Ganham vida e batem-me.
Acordo no dia seguinte como se tivesse levado uma surra.
(E levei.)
O dia nem sequer tem cor (ou se calhar sou eu que não vejo).
O dia tem mágoa e sinto-a inteira em mim.

Volto ao edifício de outrora e o maestro continua lá.
Impenetrável, cobarde, fingido.
Eu sei onde o encontrar, mas não quero.
Gosto de realidade, não preciso que ela me mate.
Dói-me tudo e estou exausta.
Cortei contra vontade as cordas do violino que não sei tocar.
Cortei. Rasguei. Destruí. E com as minhas próprias mãos desfiz a batuta do maestro.
Ele partiu e eu parti, mas estamos no mesmo lugar.

Agora é tarde. O tempo passa, a vida corre e as flores morrem,
A música permanece, mas eu comecei a destruir as pautas.
Matei os instrumentos. E estou prestes a cometer outro crime.
Matá-lo dentro de mim, apagar para sempre, mas não deitar no lixo.

Ódio! Ódio! Ah! Agora não te vás para que cumpra o prometido.
Sou a última acha da fogueira. Não me posso extinguir já.
Estou exausta. O mundo abraça-me como aquela tia que já não me vê há anos
E que quase me sufoca e me cobre de beijos.

(Vai-te embora, Maestro, mas para sempre. Não te quero reencontrar
Nem saber quem és. Já esqueci o teu nome. Já não quero os teus beijos e os teus olhares
Ardentes. Não me sussurres mais ao ouvido.)

Dói-me muito a cabeça. E o pescoço. Os meus músculos estão presos,
Os meus olhos aprisionados na minha tristeza.
Vou dormir (se conseguir...) com o barulho do meu pensamento
E da minha recordação para amanhã voltar a fingir e a sofrer, a chorar e a sofrer.
Nunca vi os meus olhos tão tristes
E o coração tão morto.
Morto vivendo ao sabor do vento
Que fustiga e magoa.
Dor como esta jamais conseguirá ser transposta
Para papel, para corpo.

E eu não esqueço.
Não posso, não me é permitido.
E fecho as cortinas para que não
Se vejam as lágrimas.

Tenho olheiras, olheiras profundas
De não dormir e de sentir e recordar.
Tenho um punhal cravado no peito,
Não páro de sangrar e arrasto-me por aí
Sem deixar cair uma gota de sangue.

Dissimulo, finjo, desprezo.
Estou presa por tempo determinado.
Preciso de me libertar das correias
Que dilaceram o meu corpo.

Dói tanto que quase sufoco,
Que quase grito
E sinto um cansaço tal que já nem
Dormir quero.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Está a doer outra vez.
Progressiva, intensa e ferozmente.
Dói. Dói. Não pára de doer.
Não paro de recordar.

Dói ainda mais um sofrimento calado
E fingido.
Como dói olhar e não conseguir sequer
Encarar e disfarçar o ardente e recôndito
Sentimento.

Já não sei o que é dor.
A minha mão dói, o meu peito dói,
O meu frágil coração dói.
Tudo o que sou dói

Cada vez mais e não pára de doer
E magoar.
Não paro de sentir nem de abrir baús
De memórias vivas, marcas indeléveis
De felicidade.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Quimera

Hoje não é dia de metas nem de objectivos. Não é dia de lágrimas nem de sorrisos. Hoje é dia, dia de sonhos. Dia do choro incessante. É Inverno dentro de mim. O vento sopra, agreste. Fustiga, ataca, espanca. E agora chove. E seguidamente o céu ilumina-se! É a minha raiva, o meu ciúme, o meu amor. Sou eu. Eu a chamar a tua atenção. "Olha para cima, meu amor...", sussurro. Sei onde estás, nem sequer sei onde estás. Estou confusa e cansada. Preciso de dormir. Mas nem a noite se compadece. Nem o sono vem. Cumprimento as estrelas que vêm fazer companhia à lua. E espreito pela janela.
Não me lembro de nada. Ele encontrou-me caída, perdida nas minhas escolhas difusas, na ansiedade que percorre o meu gesto, o meu olhar, a minha linguagem corporal, a minha alma, o meu ser... Apenas me encontrou desmaiada, desencontrada da vida e descalça.
"Quando deixas de negar o teu coração, meu amor?", interrogo-me quando a manhã sorri aos meus olhos tristonhos. São 5.11. O meu dia começa depois. Não sei quando é depois. Só não quero começar a amar e a sofrer a esta hora absurda. É a hora dos sonhos espontâneos e das loucuras desencadeadas pela paixão. Deixo-me ficar quentinha debaixo das cobertas.
O quarto ainda está um pouco escuro. Não muito, consigo distinguir as sombras. O meu pensamento voa e poisa no sono tranquilo dele. Falta pouco para me magoar no seu amor. Daqui a nada o despertador toca. Triiiim... Afinal o "daqui a nada" é já, neste instante. Não posso prolongar a minha espera sem dor.
Hora e meia depois entro no recinto. Passos ansiosos, fingido desprezo, olhar genuíno. A minha alma não mente. "Meu amor, por que finges que não me vês? O teu olhar aprisiona o meu. Dispo a tua alma sem pudor e encontro o fogo que aí acendi." Foi ele que passou. Discreto, galante, fingido. E eu, demasiado perto e demasiado longe para o poder tocar. Segurar a mão e olhar a alma. Mutuamente, sem pressas. Baixar os olhos envergonhados tal donzela cortejada.
E, se um dia, o sonho voltar a tornar-se realidade, o Inverno desaparecerá de mansinho. Virá a alegre e inconsciente Primavera livrar-me do medo, da terrível ansiedade. E ele, misturado na Natureza, colherá amores-perfeitos para mim. E abraçará o Verão e o calor do sol.
Um dia, iremos passear na serra e sentir o vento, e beijar flores, e regatos gelados, e abraçar-nos no meio dos girassóis sempre tão belos.
É, se a ansiedade passar e a vida regressar...

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

É aquela música que nem sequer conheço que enche de tristeza tudo aquilo que sou. Corpo. Alma. Coração. Leio e releio frases insignificantes, mas cuja conotação aperta uma corda no meu pescoço, amachuca o meu ser. É no compasso daquela música que baila a minha recordação, trauteando episódios de um passado presente. O maestro fugiu de mim para bem perto se instalar, para me deixar a ensaiar peças de recitais sem a sua presença. Só o seu olhar distante, ardente.
Recordo-me de o ver ao longe. Reconheço o que um dia me pertenceu. Figura elegante, cabelos negros. E o sorriso mais franco que alguma vez observei. Risonho. Minutos depois encontra-me na escada. Eu desço. Ele sobe. Não me atrevo a olhá-lo. Não consigo. E nesse momento a melodia confunde-se connosco. E eu quero fugir e ficar. Mas ele ignora e continua. Aparentemente sereno, o olhar de sempre.
O relógio avança em marcha lenta, o calor do sol entra pela janela e aquece-me a face. O meu pensamento regressa. Eu, num tumulto silencioso, acendo um cigarro e fito o horizonte. Sol, céu azul, passarinhos a cantar, canteiros carregados de flores jovens, frescas. Só dentro de mim continua o Inverno, o céu cinzento e tristonho, a chuva, os relâmpagos e trovões, o frio.
Regresso. É a minha vez de subir a escada intuitiva que acolhe os meus passos e os do maestro. Um som tranquilo passeia pelo edifício. Tenho de o encontrar. Reconheço o estilo, a força da música. É ele, só pode ser ele. Encontro-o e observo-o de longe sem lhe dar a entender que ali estou. Sinto-o novamente em mim. O maestro envolve-se com o piano diante de si. A suavidade e firmeza dos seus dedos nas teclas, olhos fechados, o sorriso que é meu. Sinto-o invadir-me como outrora fez. Toca piano como se no meu corpo tocasse. Beija-o, deseja-o. Perde o controlo dos movimentos, sabe a pauta decor.
Afasto-me.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Segredo

Mesmo que chore perto da janela do meu quarto, imensa, poderosa, a ordem das coisas simplesmente não se alterará. O sol e as carregadas nuvens negras continuarão no céu, as pessoas que correm lá em baixo apressadas não se dignarão sequer a olhar para cima. O mundo permanecerá exactamente como estava antes de a emoção me matar e a primeira lágrima cair. O cão vadio que passeia pelas ruas continuará o seu trajecto sem pressentir que eu ali estou, a azáfama citadina não os deixará olhar para a imensa janela em que repousa o meu sofrimento.
E ele provavelmente estará alheio, como sempre; nem sequer se aperceberá da tortura a que me submete diariamente. Uma vez tentei consciencializar-me de que "Tudo é como é, e assim é que é"(A. Caeiro), mas foi em vão. Tento esquecer, desprezo, vulgarizo. E destruo-me automática e espontaneamente sem saber a razão de tal comportamento. E ele nem sabe qual é a minha janela para me vir resgatar. Ou será que sabe e não quer? Ou será que quer mas não ousa? Ou... Basta! Estou cansada, cansada de hipóteses, vírgulas, pontos de interrogação. Tenho de viver com a ordem do mundo dos objectos que não se alterará só porque um dia uma jovem chorou à janela do seu quarto.
A cada dia me estranho, nem sequer me ouso sentir. Não posso ousar. Mesmo que quisesse. Dói-me o corpo e dói-me a alma. Mas não me dói o coração. Não o encontro dentro de mim. Mas sei que a lágrima que fere o meu rosto cai e o queima sem dó nem piedade. E eu, à minha janela, procuro-o e não o encontro. Jamais se recupera aquilo que a outrem se deu genuinamente. Não sei onde ele o guardou. Talvez nas recordações, talvez na indiferença, talvez no meio de frases incabadas e momentos efémeros de saudade. Ou talvez ainda não o tenha guardado e o tenha amachucado e posto no saco do lixo debaixo da secretária. Mas eu disse que não queria coordenadas disjuntivas. Não me permito viver com elas. Pois se as noites que passo são em claro, com elas o tempo seria apenas uma sucessão absurda de minutos, de horas.
A escolha paga-se bem cara. A felicidade de ontem é o desespero, a angústia, a saudade de hoje e de amanhã.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Se finges o que sentes,
Chegas mesmo a sentir?
Se escreves o que imaginas,
Que razão é a tua,
Que coração é o teu
Que é apenas vida?

Se finges o que sentes,
Onde está o coração
Que te fornece a sensação
E a arte?

Afinal, quem és tu e o que sentes,
Se é que sentes na confusão das sensações
Que só sentem aqueles que não conseguem sentir?
Porque hoje é Sábado.
Lá vai ela apressada
No seu vestido aveludado.
Tudo o resto é nada.

E de manhã olha-se ao espelho
E nele sente a dor
De um dia que hoje é velho.
De um antigo desamor

Se queixa seu pobre coração,
Mas se de sentir precisa,
Seu sentimento pisa
E mais do que a perda é o não.

E porque hoje é... Sábado!
Também quero sentir!
Quero correr descalça pela praia,
Cortar o pé na concha partida,
Acariciar a areia,
Perder o mar.

Também quero viver!
Quero um búzio encantado
E um Neptuno sábio
E uma estrela-do-mar
Cor-de-laranja e cheia de piquinhos.

Quero um peixe multicolor
E uma rocha cinzenta e feia,
Uma tempestade,
Um Adamastor,
A brisa marítima!

Quero subir às dunas,
Fazer castelos momentâneos,
Sentir o vento na face.
Eu só quero sentir.
De meu violino arranquei as cordas
Para que a chorar não voltassem.
Arranquei notas doloridas,
Angústias vespertinas.

De meu violino resta uma única corda
Que a ele se agarrou para nunca mais sair.
Resta a lágrima contida, o grito silenciado,
O maestro sem batuta, a orquestra sem melodia.

Quem sou eu se não um violino quebrado
Que chora noite adentro esperando
Pela mão que o irá consertar?
O que sentes não existe.
Nada é teu, pequena ave
Inundada de luz suave
Na Primavera que ainda resiste.

Quem és não o é.
O que vês são sombras confusas.
Isso que é teu não o é.
O que vês são lamentações difusas.

Quem és não sente.
A madrugada pura
Canta para tua alma demente
Perdida na noite escura.

Quem sou eu?