domingo, 30 de março de 2008

As palavras pertencem aos Poetas errantes
Que vagabundeiam pelas ruas mescladas de cinzento.
Na calçada um rasto de sangue, de vida e de memórias.
A noite que entretanto apareceu é agora o seu lar;
A lua o seu aconchego (quando espreita lá do céu);
Os passeios frios e sujos a sua cama.
Há ainda uns que têm um banco de jardim
E que dormem com todas as estrelas.

Há um que não dorme. Que escreve versos nas paredes.
Que se perde na imensidão da cidade, que ri da solidão
E que chora mal o sol nasce e o relembra do dia.
E perco versos que pulsam dentro de mim
Porque a mão quer repousar.
Dói-me o corpo, a matéria é decadente.
Tenho sono e quero fechar os olhos.
A realidade supera-me, transcende-me, possui-me.
Não durmo porque penso.

Penso e peno. Não quero mais imaginar.
Abomino sofrimento por antecipação.
Mas sou Poeta. E o Poeta não pode abominar sentimentos
Nem perder versos porque tem sono.

Os versos estão no coração e na pele.
Tenho o corpo tatuado de emoções
Que disfarço com palavras.

terça-feira, 4 de março de 2008

Quando o crepúsculo chegar
E o relógio esboçar o sorriso
Das sete horas, o maestro
Cumprimentará o seu público.

Sorrindo, galante, para as mulheres;
Sorrido cumplicemente para os homens.
Sempre falso, fingido, impenetrável.
Eu estarei numa das cadeiras de veludo vermelho,
Semi-escondida, subtil e magoada.

O concerto começará e a minha dor
Acompanhará a música que ilumina a sala.
E a minha dor amparará o maestro de olhos profundos
E claros desejando ardentemente falar-lhe no final
E beijá-lo na face, jurando jamais ousar querê-lo.
Verdadeiro, falso?
Não sei.
As flores existem,
A vida passa.

E depois?
Um dia irei abraçar o infinito.
Não quero realidade agora.
Estou saciada.
Amanhã deixo-a acariciar-me o cabelo.

Hoje quero quimera e mentira.
Hoje quero ver as estrelas ocupar
O seu lugar no belo firmamento.

Um dia serei uma estrela
Ou serei um sol, ou um planeta,
Ou até uma galáxia qualquer.
Longínqua, a anos-luz daqui.

Deixo o que não me pertence
E o que é meu. Mas levo a minha alma dentro do caco que sou,
Aquele que se escondeu no canto da sala vazia.

(Dentro de um frasco guardei o vento do Sul. Alguém o abriu - cruel Mão!
Fugiu-me tocando-me a face ao de leve, beijando-me o corpo, escondendo-me de mim...)
São tantas palavras, mas tenho a visão turva.
Linhas azuis, espaços em branco.
Nem sigo a direcção da linha quando escrevo.
Vejo e sinto tudo turvo.
Fazem todo o sentido e para mim não fazem sentido nenhum.
Estão ocas, sem vida e sem música.

As cordas do violino rebentaram.
Do nada, um dia, naquele dia.
E naquele dia uerbum não é nada
E vida nada também é
Porque a melodia não faz paredes bailar
Nem o meu olhar transparecer o desconhecido que sinto em mim.

Inteira, intemporal. Não quero isto nem aquilo.
Querendo não quero tudo (nem o bastante para sorrir!).
Ai, meu pobre violino! Agora entrelaço as tuas cordas nos meus dedos
Esperando que também deles não se despeçam.
Conservo a forte caixa frágil que encontrei no Mundo.

Volto à realidade das coisas e as palavras não me escutam,
Nem me cantam nem me ferem.
Ah! Voltar a senti-las jorrando dentro de mim
Excessivamente calmas, pacificamente furiosas a ponto de me bater,
De me esquartejar, de me matar de cansaço e sofrimento.

Ignoro-as agora. Não as quero.
Já não descrevem o sol como eu quero,
Entristecem flores na Primavera
E apodrecem os frutos.

Para que quero palavras que não me obedecem?
Moderadamente absurdas, absurdamente moderadas.
Assim também não quero, não gosto.
Não quero palavras fragmentadas e sem essência.

Não gosto de fechar os olhos.
Mesmo que as veja sem as ver,
Olho para o nada e encontro-as inteiras em mim.