quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Já caiu a noite. Tenho como companhia uma música e uma garrafa de vinho tinto-paixão. E talvez uma pequena lagrimazinha também bata à porta e eu tenha de me levantar do sofá para lhe abrir a porta, não a ver e apenas senti-la tocar o meu corpo e abafar a minha voz. O néctar vai aliviar a dor do meu pensamento, de uma lógica que encaixa pecinhas de histórias, que relaciona sentimentos e factos, que arquitecta relações de causa-efeito. Nunca tive jeito para abrir garrafas, só para saborear o doce travo do vinho e sorvê-lo enquanto os olhos fitam a imensidão do vazio. Cortei-me com o saca-rolhas e um laivo de sangue espalhou-se na minha mão, desenhando formas que nunca vi. Pressiono para que páre. Sem sucesso. Descobri que tenho o coração escondido na mão morena e pequenina. Vejo-o apertado, dolorido. Pede clemência ao pensamento, implora por uma noite de sono, sem sonhos, sem pesadelos. Só descanso para o corpo, só uma almofada e uma manta para que não sinta frio; pede apenas um par de horas de tréguas para poder, pelo menos, tentar disfarçar umas olheiras profundas. E pede tempo para aprender a lidar com o ciúme e a rejeição, com a paixão e com a revolta. Pede somente um par de horas para aprender a disfarçar brilhos apagados de olhares que irradiavam desejo.
Um copo de néctar saboroso. O segundo, o terceiro... Uma noite longa pela frente e uma prece incessante a Eros para que páre de disparar flechas contra a minha mão. Pshh...o meu coração pequenino está ali escondido e a sangrar para ninguém o ver.
O álcool que me corre nas veias e que não tem efeito absolutamente nenhum, a garrafa vazia, a sala vazia, a mão vazia... A mão? Onde está o coração? Atiro a garrafa para o chão violentamente, os cacos espalham-se, um deles, pequeno e quase imperceptível, rasga a minha carne. E, ganhando vida, entra em mim procurando raptar o coração fugitivo.
E não o encontrou jamais.

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