quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
Gata
Tinha olhos de gata no cio. Profundos, densos, sorridentes. A boca sedenta, os dedos esguios. Tinha olhos de gata. No cio. Brilhantes, esquizofrénicos, inquietos. Passeava pela rua de fato decente, gabardine composta. O cabelo meticulosamente alinhado e um conjunto de pulseiras que tilintava quando o salto pisava o chão inebriado. Gostava de passear pelas ruas de óculos de sol e esconder os olhos. De gata. No cio. De carregar a carteira na mão e balançar as ancas. Observar os olhos de quem a via passar. Olhos no cio. De gata escondida. Escondidos. Poucas palavras saíam da sua boca voraz. Pouquíssimas. Saíam-lhe sim como faíscas. Dos olhos. Observava os gestos das pessoas que não conhecia, que se cruzavam com ela nas lojas, no supermercado, na rua, no café, nos jardins. O dente a morder o lábio, os lábios contraídos. A mão inquieta no cabelo, um sorriso disfarçado. Lolita. Fingia enterrar os olhos e a alma nas palavras de Nabokov. Para olhar sem pudor. Para sentir prazer num voyeurismo inconsciente. Espiar os casais do parque. O beijo de olhos abertos, a mão travada a caminho da blusa. E ficava ali horas a fio no banco de jardim a imaginar-se nos braços daqueles homens, todos eles diferentes, renovando-se à passagem das horas. Os seus olhos de gata a faiscar, as mãos numas quaisquer calças. Puta. No cio.
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