Queria ter a coragem de inventar que dormi com outro. Que o meu corpo por momentos deixou de te querer e preferiu satisfazer o desejo a continuar dormente e intocável. Telefonar-te quando o dia acabasse porque o meu tempo correu, tropeçou e voltou a correr e só naquele instante o tive para ti. A tua voz silenciada talvez acordasse se eu te dissesse o que pretendia. E aí poder-me-ias dizer És uma puta. Assim eu saberia que a tua tranquilidade se alterou, que viraste fogo porque a tua mulher teria dormido com outro, mesmo que o teu nome fosse o único a ecoar na cabeça dela. Poderias dizer-me És uma puta as vezes que quisesses que eu estaria a ter prazer em ouvi-lo. Pelo menos serias um homem ameaçado e obrigado a baixar os olhos para mim, que já te sou tão indiferente e tão dispensável. És uma puta - e da tua voz, através de redes de fios complexas, de sinais e códigos, eu poderia sentir o desatino do teu corpo, os teus olhos flamejantes e o orgulho que eu feri propositada e falsamente. Mas não. Nem sequer uma forma verbal, um artigo indefinido e um substantivo tens para me dar. Nem para me dizer És uma puta. E mesmo que fosse uma traição fingida e que nunca mais me tocasses sem pensar em mim nos braços de outro, que na tua cabeça ecoasse És uma puta, continuarias a ter-me.
quarta-feira, 14 de abril de 2010
Orfeu é Eurídice
O papel é branco e os meus dedos escrevem-te
sem tempo nem lugar
nem dia nem noite
num lugar só dia
num dia só noite
A lua cheia perfeita redonda
grávida de amores
A rua de paralelos está deserta
Ainda, suspiro eu
A varanda tem vasos de margaridas
e a minha alma partiu-se
Até ele chegar do supermercado
e trouxer um regador
Quebrada sinto-lhe os passos na cozinha
a torneira a verter vida e a música
a embalar-lhe os gestos
E revive a alma morta
e o precipício é o limite de veludo
onde o corpo repousa
sem tempo nem lugar
nem dia nem noite
num lugar só dia
num dia só noite
A lua cheia perfeita redonda
grávida de amores
A rua de paralelos está deserta
Ainda, suspiro eu
A varanda tem vasos de margaridas
e a minha alma partiu-se
Até ele chegar do supermercado
e trouxer um regador
Quebrada sinto-lhe os passos na cozinha
a torneira a verter vida e a música
a embalar-lhe os gestos
E revive a alma morta
e o precipício é o limite de veludo
onde o corpo repousa
O cais adormece embalado
nos raios de sol parcos
que deixam o dia.
É noite já.
Todos os lugares comuns me falam
com a tua voz.
O tempo sacode-me as entranhas
revolvidas pelo ciúme,
envenenadas de ti.
O cais sonha docemente.
O cais e as águas do rio que correm
serenas. A janela da tua casa
e a sombra por trás da cortina.
O tempo esventra-me a alma
quando acordo assustada a meio da noite
desejando uns braços quentes
que me agarrem o corpo no que resta da escuridão.
O cais - devagar acorda. Já é dia
e a navalha cortou o tempo.
Pedaço a pedaço o corpo cai.
nos raios de sol parcos
que deixam o dia.
É noite já.
Todos os lugares comuns me falam
com a tua voz.
O tempo sacode-me as entranhas
revolvidas pelo ciúme,
envenenadas de ti.
O cais sonha docemente.
O cais e as águas do rio que correm
serenas. A janela da tua casa
e a sombra por trás da cortina.
O tempo esventra-me a alma
quando acordo assustada a meio da noite
desejando uns braços quentes
que me agarrem o corpo no que resta da escuridão.
O cais - devagar acorda. Já é dia
e a navalha cortou o tempo.
Pedaço a pedaço o corpo cai.
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