segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Segredo

Mesmo que chore perto da janela do meu quarto, imensa, poderosa, a ordem das coisas simplesmente não se alterará. O sol e as carregadas nuvens negras continuarão no céu, as pessoas que correm lá em baixo apressadas não se dignarão sequer a olhar para cima. O mundo permanecerá exactamente como estava antes de a emoção me matar e a primeira lágrima cair. O cão vadio que passeia pelas ruas continuará o seu trajecto sem pressentir que eu ali estou, a azáfama citadina não os deixará olhar para a imensa janela em que repousa o meu sofrimento.
E ele provavelmente estará alheio, como sempre; nem sequer se aperceberá da tortura a que me submete diariamente. Uma vez tentei consciencializar-me de que "Tudo é como é, e assim é que é"(A. Caeiro), mas foi em vão. Tento esquecer, desprezo, vulgarizo. E destruo-me automática e espontaneamente sem saber a razão de tal comportamento. E ele nem sabe qual é a minha janela para me vir resgatar. Ou será que sabe e não quer? Ou será que quer mas não ousa? Ou... Basta! Estou cansada, cansada de hipóteses, vírgulas, pontos de interrogação. Tenho de viver com a ordem do mundo dos objectos que não se alterará só porque um dia uma jovem chorou à janela do seu quarto.
A cada dia me estranho, nem sequer me ouso sentir. Não posso ousar. Mesmo que quisesse. Dói-me o corpo e dói-me a alma. Mas não me dói o coração. Não o encontro dentro de mim. Mas sei que a lágrima que fere o meu rosto cai e o queima sem dó nem piedade. E eu, à minha janela, procuro-o e não o encontro. Jamais se recupera aquilo que a outrem se deu genuinamente. Não sei onde ele o guardou. Talvez nas recordações, talvez na indiferença, talvez no meio de frases incabadas e momentos efémeros de saudade. Ou talvez ainda não o tenha guardado e o tenha amachucado e posto no saco do lixo debaixo da secretária. Mas eu disse que não queria coordenadas disjuntivas. Não me permito viver com elas. Pois se as noites que passo são em claro, com elas o tempo seria apenas uma sucessão absurda de minutos, de horas.
A escolha paga-se bem cara. A felicidade de ontem é o desespero, a angústia, a saudade de hoje e de amanhã.

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá!! Gostei bastante do teu blog! Continua a escrever, pois tens jeito...escrever alivia-nos mas por vezes..confesso..que sabe a pouco!
Um beijo! Força!