segunda-feira, 7 de abril de 2008

Chuva

Chove torrencialmente lá fora. Toda aquela água divina expressa a revolta que está calada, contida dentro de mim. Toda ela grita através das nuvens cinzentas que pintam o céu e que não deixam ver mais nada.
Chove a cântaros; ouve-se o som da bofetada a bater na vidraça, não se ouve o meu lamento. Apetece-me ir lá para fora contar gotas de chuva. Assim não recordaria nem sentiria. Só eu e a chuva, a chuva revoltada que certamente também bate na janela do quarto dele, aquela que ele insiste em fechar. Apetece-me ir lá para fora sem guarda-chuva, sem protecção. Só eu, a chuva e a nossa revolta. Ela grita com Deus, com o Mundo, com as nuvens, com o sol; eu gritar-lhe-ia aos ouvidos até o deixar surdo, vociferaria, os meus olhos faiscariam até o queimar e fazer sofrer de dor. Mas no dia seguinte continuaria (e continuará) a chover, simplesmente porque não se pode fugir da ironia do Destino.
Encho-me de coragem agora; amanhã terei de a procurar. Durante a noite, de mansinho, enquanto eu sonho, ela foge da minha mente, já não é minha; brinca com o meu coração todas as noites e deixa-o apertado de tanto sofrer.
Lembro-me que um dia andámos à chuva. Os dois, sem ninguém saber. E também que, de repente, se fez sol e tudo se perdeu. Secou, mudou, desvaneceu-se. Julgando eu que o Tempo me traria a Primavera, deixou-me permanentemente um sol de Outono fraquinho; não aquece. Agora só me apetece dormir e andar à chuva. Só assim posso gritar e escapar de um Destino que sei que não posso aguentar. Agora não. Tenho o coração enfraquecido e a mente exausta de tanta guerra, destruição.
Subitamente apercebo-me dos vultos que me cercam. Sombras que se movem ao meu redor silenciosamente, perturbam-me. Só a sua simples presença me enfraquece. Tantas, tantas! Todas murmuram palavras soltas que reconheço. Também um dia as proferi. São fantasmas, são lembranças! Não quero mais! Não quero! Se algum dia sobreviver ao Tempo, o meu último grito será de alívio, de despedida.
É Outono em mim. Na luz dourada do crepúsculo, com o vento frio a cortar-me a pele, vou até ao mar.

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