Hoje, sozinho na minha casa de paredes brancas e silêncio, penso. Penso muito e não consigo dormir. A imagem dela baila na minha memória... Cabelos e olhos negros, brilhando por me ver, naqueles corredores de desejo onde outrora nos cruzávamos. As mãos que eu beijava com ternura, a pele morena que amei inconsequentemente sem pensar que depois a deixaria partir sem sequer a demover. Fui cobarde. Menti e magoei-a. Quando nos víamos notava-lhe o olhar gélido, sentido, ardente. Sentia a sua dor como se da minha se tratasse. Também eu a desprezava, murmurando para mim mesmo que daquela forma não a magoaria nem a faria sofrer mais.
Mas hoje, velho e só, recebi uma carta dela. Perdi-lhe o rasto. Naquela sala jurou nunca mais ver-me, querer-me (como ela me queria...) e desapareceu... até hoje. E só hoje me apercebi do sofrimento daquela mulher que amei, que possuí com volúpia e desejo, que seduzi diariamente, com quem troquei beijos alados em corredores de quimeras, que olhei cumplicemente gozando da ignorância dos outros. E ela diz-me que me amou e que me ama e que jamais imaginarei o quanto a fiz chorar por dissimular um desejo que tive e que ainda tenho, as noites sem sono, olhando o céu negro e pesado, pensando em mim e perguntando-se se eu teria feito isto ou aquilo...
E eu, que amo ainda esta mulher minha, hoje estou sozinho e entregue às memórias e pensamentos que reprimi durante anos. Mesmo convivendo com ela, evitei tocá-la, senti-la perto de mim; fugi do seu olhar, fiquei sem palavras, fingi desejar outras... Tudo em vão. Um dia, numa escada discreta, olhei-a com paixão, desnudei o seu ser, recordei os detalhes do seu corpo, mordi o lábio, dei um passo em frente, olhei-a nos olhos e sorri. Ah! O seu olhar negro e radioso observando todos os meus movimentos, perturbando-me. E, de repente, parei. O olhar tornou-se gélido. Recuei. E mais uma vez perdi aquele que reconheço como meu. Ela partiu, chorando magoadamente. O seu corpo à minha mercê, a boca rosada a suplicar-me o beijo da reconciliação. E eu, cobarde, afastei-me e abandonei-a no vão de uma escada. Nem sequer olhei para trás.
Hoje todas estas memórias me destroem. A mulher que desprezei é a mulher que quero, que relembro ao olhar para a porta de minha casa, para as paredes, para a cama solitária em que durmo. O perfume dela permanece, o resto perdeu-se no Tempo implacável.
Quando me quis levantar e correr atrás dela, as pernas falharam-me; quando quis beijá-la docemente, dos meus lábios escorria fel; quando quis olhá-la tive vergonha. Quando me dei conta do erro, já os ponteiros do relógio haviam avançado e descobri um caminho sem retorno.
Sou escravo do silêncio, das memórias, da pele que beijei sofregamente. Sou escravo do meu destino.
1 comentário:
Uma visão romântica e idealista... pena é que na realidade só uns poucos amem assim alguém…
Enviar um comentário