Estava escuro na avenida. O relógio já despertara toda a cidade. Sentia-se o cheiro do café acabado de fazer, o açúcar dos bolos polvilhava o ar frio da manhã. Carros, autocarros, gente apressada pelas ruas, luzes de candeeiros solitários que estavam prestes a adormecer. E nevoeiro, muito nevoeiro. Casacos de lã e botas. Já era Primavera e ninguém a vivia. Luvas, cachecóis e gorros. E faces sem expressão, rostos sem sorrisos. Nem sei se vale a pena descrever os passeios que sussurram e que uivam quando os saltos da mulher os pisa, ferindo-os na sua dureza. Ela, cativante, atravessa a avenida vezes sem conta. Vai ao banco, ao café, respira no coração da cidade. Óculos escuros a esconder os olhos negros. A carteira pesada no ombro. Sempre no mesmo, no esquerdo. O coração preso a bater descompassado, a seguir um ritmo desconhecido, mais morto que vivo. Resiste ao aroma do café, ao açúcar dos bolos, ao nevoeiro atordoante, ao sol escondido.
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